Confessy

Vou contar, porque guardar segredo nunca foi meu forte — ainda mais quando o segredo fede. Um sujeito baixo, sem pudor, que troca a dignidade por vodka barata e dinheiro... Tenho um amigo, desses que todo mundo chama de “homem direito”, meio calado, olhar de cachorro adotado e uma voz que parece pedir desculpa até pra existir. A mãe acha que ele tá fazendo faculdade na USP. A vó sempre pergunta se ele ta comendo bem, se está conseguindo se manter em sampa. Mal sabem.... Ele fica na Praça da Luz. Mais precisamente: esquina da Avenida Tiradentes com a Ribeiro Lima. Sim, aquela esquina onde o asfalto gruda no tênis e os postes fingem que iluminam. Fica ali de noite, de madrugada, às vezes até depois do sol nascer. De costas pra cidade, de frente pro que der. Garoto de programa. Isso mesmo. O amigo que você diz que tem “bom coração” cobra por hora, ou meia, dependendo do tédio, as vezes nem cobra, é usado à vontade, para satisfazer a burguesia homossexual de SP. Não tem glamour, não tem conversa. Ele se vende por impulso — dele ou do cliente, tanto faz. Diz que é só um corpo, que já nem sente mais. Mas às vezes escapa um olhar, um gesto que entrega o resto. Ele não fala disso. Eu falo. Porque alguém tem que dizer o que ele finge que não acontece. Às vezes me pergunta se eu o julgo. Eu rio. Julgar? Não. Observo. Como quem assiste um prédio antigo ruir em câmera lenta — sabendo que ninguém vai reconstruir nada. Ele ainda acha que é só uma fase. Eu sei que é rotina. Ele sempre fala que não quer sair dali, mas eu sei bem o que tanto atrai ele em São Paulo, o dinheiro fácil da prostituição. Meu maior medo é que ele pegue alguma doença, sempre sem preservativo, os homens gozam a vontade dentro dele. Isso me preocupa. E quando ele desaparecer de vez — porque vai desaparecer — todo mundo vai fingir que não sabia. Eu, não. Eu vi. Eu sabia. Comi. Gozei. Contei a vocês.